30 dezembro 2006

Vergonha

A morte por enforcamento de Saddam Hussein esta madrugada numa base norte-americana em Bagdad, é uma derradeira vergonha para o mundo a terminar este ano de 2006. Foi uma vitória da vingança sobre a justiça, mas foi também uma prova do desespero de Washington perante o impasse a que chegou a situação no Iraque ocupado. Matando o ex-ditador, Bush pensa que consegue exorcisar os demónios a que deu vida desde que começou esta absurda guerra contra o terrorismo. Puro engano. Ao encerrar de um modo tão inglório este triste capítulo da história da Mesopotâmia e do Mundo, o presidente americano ajudou a criar mais um mártir para a causa árabe e consegiu até rodear o seu inimigo numa inaudita aura de dignidade. A imagem de um Saddam olhando a morte de frente (recusou inclusivamente o capuz que queriam pôr-lhe) e apelando à unidade dos iraquianos face ao invasor não vai desvanecer-se tão cedo. Pelo contrário, a cobardia da generalidade dos dirigentes ocidentais, incapazes de fazer frente ao amigo americano ficará na história como mais uma vergonha, nossa. Na verdade, as recentes declarações do invertebrado Blair e da generalidade dos governantes europeus, franceses incluídos - criticando a pena de morte, mas alegando que «se trata de uma decisão das autoridades soberanas do Iraque» - dariam vontade de rir se não fossem trágicas. Falar de «autoridades soberanas» num país ocupado é, no mínimo, querer fazer de nós todos um bando de imbecis. No meio de tudo isto, as únias notas positivas do dia vão para quem menos se esperava: o Vaticano, o Kremlin e Muhamar Kadafi. Vladimir Putin repetiu, uma vez mais, a verdade elementar que tantos não querem ver: que a morte de Saddam apenas vai contribuir para aumentar a violência no Iraque. Mais ou menos o mesmo afirmou o Papa, acrescentando que a condenação à morte de um homem, mesmo se culpado de muitos crimes, é sempre um acto criticável. Quanto ao dirigente líbio, foi até agora - que se saiba - o único a decretar três dias de luto «pela morte do prisioneiro de guerra Saddam Hussein». Só para lembrar, também, o verdadeiro estatuto do assassinado. E para que não nos esqueçamos de mais esta violação norte-americana do Direito Internacional: a Convenção de Genebra é muito clara na proibição da execução de prisioneiros de guerra. But, who cares? They are the kings of the world, aren't they? Até um dia.

Sem comentários: