10 maio 2010

A visita do Papa


Por ocasião da visita de SS o Papa Ratzinger, O Terrorista deixa-se enlear pelo mais puro espírito cristão e propõe-se partilhar com os leitores uma obra lietrária rara e há muito esgotada, mas sem dúvida apropriada à quadra festiva que se segue à vitória do Benfica: A Visita do Papa, um texto (brilhante, como não podia deicar de ser) de um dos maiores poetas portugueses vivos, o grande Alberto Pimenta. Foi publicado originalmente nos primórdios da década de 80 do século XX, por ocasião da visita do papa precedente, o extinto JP II. A poucos minutos da chegada de Ratzinger à Portela, tomai e lei todos, que esta é a palavra do Senhor Pimenta. E reza assim, salvo seja:


Enquanto o papa não chega
Todos dão a sua achega*

POR EXEMPLO:

As autoridades convencem com os dentes.
Os deputados erguem as nádegas
para lhes serem metidas moedas na ranhura.
Os investidores apostam na sementeira
de guardas-republicanos.
Os magistrados justificam o uso
da força com a força do uso.
Os militares apoiam a democracia em geral
e o cão-polícia em particular.
Os tecnocratas correm o fecho-éclair
para fazer luz sobre o assunto.
Os psiquiatras metem o dedo no olho
do cliente para lhe aprofundar os desvios.
Os mestres ensinam os cães particulares
a defecar nos passeios públicos.
Os escritores erguem a voz acima de todas para
dizer que todas as vozes se devem fazer ouvir.
Os funcionários públicos zelam por que tudo
o que não é proibido seja obrigatório.
Os sacerdotes encaminham a alma
para o sétimo céu.
Os internados no manicómio recebem
coleiras novas com o número fiscal.
Os jornalistas dão peidos que abalam a
qualidade de vida da cidade.
O povo digere tudo porque tem
dentes até ao cu.
Os polícias de choque referem-se
às conquistas de abril.
Os anjos da guarda interceptam os
pacotes com as bombas e explodem.

ÀS VEZES, PARA VARIAR, SÃO:

As autoridades que erguem as nádegas
para lhes serem metidas moedas na ranhura.
Os deputados que apostam na comercialização
dos guardas-republicanos.
Os investidores que justificam
a força do uso com a força da usa.
Os magistrados que apoiam a democracia em
público e o cão-polícia em particular.
Os militares que empunham o facho-éclair
para fazer luz sobre o assunto.
Os tecnocratas que manipulam os dados
com os dedos e os dedos com os dados.
Os psiquiatras que ajudam os cães a com
pensar o seu complexo anal e vice-versa.
Os mestres que erguem a voz para dizer
quais as vozes que se devem ouvir.
Os escritores que zelam por que aquilo que é
proibido se torne obrigatário e vice-versa.
Os funcionários públicos que encaminham as
almas para o sétimo selo.
Os sacerdotes que recebem as colheitas com
a colecta anual.
Os internados no manicómio que dão
peidos que abalam a (so)ci(e)dade.
Os jornalistas que digerem este mundo e o outro
porque têm dentes fora e dentro.
O povo que se refere às conquistas de
abril.
Os polícias de choque que empacotam
as bombas e explodem.

OUTRAS VEZES, POR DESFASTIO, SÃO:

As autoridades que apostam na bosta para
a sementeira dos guardas vingar
Os deputados que justificam a força
do uso com a força do uso da força.
Os investidores que apoiam a polícia da
democracia e o cão em ge(ne)ral.
Os magistrados que lançam mão da ficha in
formática para fazer luz sobre a temática.
Os militares com o dedo que apontam sem desvio
ao olho e vice-versa.
Os tecnocratas que instituem o im
posto an(u)al para cães.
Os psiquiatras que erguem a voz por motivos
alheios à sua vontade.
Os mestres que zelam por que tudo continue
como está e quase nada vice-versa.
Os escritores que encaminham as almas
para o seu solo de tromba.
Os funcionários públicos que recebem
poleiros com hygiephone bucal.
Os sacerdotes que dão peidos que
embalam a cidade.
Os internados no manicómio que não
digerem nada porque ficaram sem os dentes.
Os jornalistas que se referem às
conquistas de abril.
O povo que desembrulha o pacote
e explode.

OU ENTÃO SÃO:

As autoridades que têm jus ao uso
da força por força da força.
Os deputados que apoiam a polícia democrática
em geral e o cão político em particular.
Os magistrados que metem o dedo no olho do
arguido para ver se ele contém argueiro.
Os militares que ensinam os cães a reagir
ao toque de defecar.
Os tecnocratas que rebaixam a voz quando
se querem fazer ouvir no ovil.
Os psiquiatras que zelam por que tudo o que
não é proibido pareça e digamos vice-versa.
Os mestres que encaminham as almas
para o seu sítio.
Os escritores que operam com números
velhos e colírios novos.
Os funcionários públicos que dão peidos
dentro da legalidade sindical.
Os sacerdotes que digerem tudo
porque só ingerem papa claro.
Os internados no manicómio que se referem
às conquistas de abril.
Os jornalistas que embrulham as bombas
que explodem na boca do leitor.

Mas
Quando o papa chegar,
Sim
Quando o papa chegar,
Todos vão interromper
O que estão a fazer,
Todos querem ver o papa*
Conversar com os doentes.
Erguer as nádegas
para os devotos lhe meterem ex-votos na ranhura.
Apostar em publicanos e republicanos.
Justificar a força do uso com
a força da usura.
Rezar pela democracia em geral
e pelo cão polícia em particular.
Erguer a voz em maio para
curar quistos de abril.
Dar um peido
que brada aos céus.
E encaminhar assim as almas
por esta via sacra.

Porém
O papa
Limitar-se-á
A Clamar e proclamar que
O

É o mais macio e absorvente de todos
(além disso apresenta-se desde agora em
modelos duplex com 900 folhas em todas
as gamas de cores do arco-íris e
um estojo da maior utilidade!)
O

Ao seu alcance
(e poderá ainda receber um super b
ónus de 250 contos em ouro!)

DE MODO QUE DORAVANTE
PODEM POR BIZARRIA:

As autoridades apoiar a polícia em público
e o cão democrático em particular.
Os deputados correr o fecho-éclair
para fazer luz sobre o affaire.
Os investidores pedir luvas
para meter os dedos de môlho.
Os magistrados legislar acerca
dos cães e respectiva matéria.
Os militares erguer a voz para dizer que
a sua voz não se faz ouvir.
Os tecnocratas zelar por que tudo o que ainda
não é obrigatório o seja e não vice-versa.
Os psiquiatras encaminhar as almas para
o sétimo sono.
Os mestres distribuir coleiras novas
com a inscrição «tal qual».
Os escritores dar peidos
que empolgam a cidade.
Os funcionários públicos digerir tudo
porque têm dentes até ao cu.
Os sacerdotes referir-se às conquistas
de abril.
Os internados no manicómio construir
a bomba e explodir.

O que não podem,
O que doravante
Nenhum deles
Pode negar
É que o

É o mais macio e absorvente de todos
O

Ao seu alcouce
(e ainda poderá receber um super b
ónus de 250 contos em ouro!)

*Em espírito de profunda caridade pelas legítimas aspirações e valores autênticos da humanidade

Note bem:
Na concretização dum projecto tão grandioso como este, trabalhou-se arduamente durante cerca de 1 ano para conseguir chegar a uma produção digna do seu nome, com a tradicional qualidade dos nossos produtos e o inegável critério de perfeição que nos caracteriza.

«A Visita do Papa», de Alberto Pimenta, Ed. & Etc, Maio de 1981.

1 comentário:

joão sem terra disse...

Grande, fabuloso texto. Ratzinger já o terá lido? Com certeza que não, ou teria convidado o autor para o encontro do CCB :-)
Alberto Pimenta, sempre!